Arquivo mensal: outubro 2008

Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias.

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“(…) o fato é que não dispõe a língua portuguesa de uma palavra que permita ao filho identificar quem seja, por exemplo, o companheiro da mãe. Ninguém sabe como chamar o filho da mulher do pai. Também não há um vocábulo que permita distinguir o filho comum frente aos filhos de cada um do par, frutos de relacionamentos anteriores. Claro que os termos madrasta, padrasto, enteado, assim com as expressões filho da companheira do pai, ou filha do convivente da mãe e meio-irmão não servem, pois trazem uma forte carga de negatividade, resquício da intolerância social.

É chegada a hora de se encontrar uma nova terminologia para as novas famílias, chamadas por muitos de reconstituídas, recompostas ou reconstruídas. Como geram entre seus membros um vínculo de afinidade, a sugestão de Waldyr Grisard é acrescentar a palavra afim, portanto, pai afim, mãe afim e até filho afim. Difícil aceitar tais composições que não se revestem de sonoridade. De qualquer forma, persiste o desafio de encontram nomes que identifiquem as relações em que o casamento não é o elemento essencial para definir a família e a verdade biológica não serve mais como fator exclusivo para determinar os laços de parentesco.”

moral na lata do lixo

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agora é oficial: pela primeira vez um namorado diz que eu tô gorda. vou ali perguntar à minha mãe como faço pra pesar 50 quilos de novo, e aproveito pra perguntar se alguém aí sabe como se reconquista a auto-estima perdida.

vou jogar fora todas as minha saias e vestidos coloridos e só vou usar calça preta daqui pra frente. calça preta reta.

bem, isso até eu ter um filho, contratar um personal trainer maravilhoso, passar todas as minhas manhãs na academia, passar no concurso de procurador da república e ir ser gostosa em algum lugar desabitado. e é porque eu sou contra intervenções cirúrgicas, viu!

na sé é muito mais gostoso

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semana passada fui a um “festival gastronômico” na torre malakof que se propunha a revisitar a “culinária de rua” com a ajuda de chefs famosos. “culinária de rua” é eufemismo para “comida de pobre”, então eu pensei que pelo menos uma macaxeira gostosa eu teria. não como miúdos, não gosto de bode, tenho horror a mão de vaca e buchada; meu paladar infantil não suporta a combinação gordura + cheiros fortes + pedaços de algum animal. mas, poxa, comida nordestina também envolve um inhamezinho, um cuscuz, uma sopinha gostosa de feijão. qual o quê: no final da noite, tudo o que comi foram dois pedaços de queijo coalho assado na brasa pelo próprio cesar santos. e não era um queijo coalho conceitual, diferente, era queijo mesmo, desses que eu como assado no fogão de casa. e ainda estava meio cru por dentro.

aí o questionamento-mor do evento partiu de loulou: pra que um chef famoso assando queijo de coalho?

boa pergunta, luciana. é por isso que saímos de lá e fomos comer sanduíche de carne louca no central.

melhorar pra quê?

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Quer saber? Eu tenho um emprego legal, ganho decentemente, pra que eu vou me matar pra ser mandada, se tudo der certo, pro final do quinto dos infernos? Eu vou é curtir minha vidinha boa de oficial de justiça do trabalho, com todo o meu tempo disponível, com meu trabalho divertidíssimo, com minha vara divertidíssima. Eu vou é curtir meu marido amado, meus enteados, meus amigos. Vou é ter um filho, comprar um apartamento em trezentas milhões de prestações, viver uma vidinha pacada e suburbana.

E vou estudar só por diversão, porque é legal.

só banho de sal grosso

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tô tão cansada e estressada, tão tensa, tão irritada, que me sinto numa tpm infinita. tudo parece acontecer para me atrapalhar o juízo. parece que não faço nada bem feito no meio da correria, e tudo fica pela metade, meio que nas coxas, nunca do jeito que eu queria fazer. tem sempre algo mais que tem que ser feito. tem que ir na academia mais um dia, correr mais uma hora, ir no supermercado, fazer as unhas (que eu també sou gente), tem que ir na festa da amiga, tem que resolver os problemas domésticos, tem que sair com as crianças, e tem que trabalhar, trabalhar, quando eu preciso MUITO estudar, estudar, estudar. cheguei à conclusão de que, ou eu largo esse concurso de mão de vez – e me recolho à minha insignificância – ou eu mando todo o resto à merda e me tranco em um quarto de hotel por um mês. mas isso também não adianta porque não há garantias de tipo tempo x de estudo = aprovação. eu só tô muito cansada de ficar sempre esperando que a minha vez chegue.

André Mussalem. Para Shylock.

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Quantos mundos existirão entre um homem e seus gatos?
quanta assimetria, segredos, confissões
levaram esse que sou a amar
algo tão alheio, tão diverso e ao mesmo tempo próprio
tornar-me o animal de estimação dessa grande ausência
e deixar-me encoleirar por saudade tão diversa

Quantas cidades, quantas pessoas, quantas antlântidas submersas
existirão entre um homem e seus gatos?
Nesse espaço vazio que se assenhora de mim
fica a capacidade de amar o plural
rendido, inutilmente rendido, a um mundo sem animais
bestialmente humano, com essa dignidade reles e torpe
sem os olhos noturnos que contêm o que ainda há de sagrado:
eu me preparo para morrer sem lenda, sem metafísica
pois os homens são, sabem os bichos
os únicos serem que morrem e mais nada.

my heart belongs…

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aí eu, aos 28, recebo um presente “de dia das crianças” de meu pai. ele disse que viu as pessoas comprando brinquedos para os filhos e pensou nos seus pimpolhos, isto é, em nós, seus filhos com cabelos brancos. assim foi que ganhei, numa caixa linda, um perfume que eu tinha dito que queria há meses (ele lembrou), e – o melhor de tudo – ganhei um “vocês serão sempre minhas criancinhas“. ganhei o dia.

sendo mãe não sendo mãe

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é muito difícil ser mãe. e eu, que nem sou nada, que o diga.

minha mãe dizia que ser mãe só tem sentido com uma palavra: doação. entendo agora o que ela queria dizer.  nunca levei muito a sério planos de maternidade, em parte porque sempre achei que me faltava/falta/faltaria esse estado assim tão sublime de alma, esse manto de perfeição e infalibilidade que cobre o parir/criar um filho. eu não saberia ser assim tão responsável por alguém. fatalmente acabaria esquecendo a hora do remédio, tomaria uma decisão errada, não teria o equilíbrio emocional que a função demanda. faltaria-me paciência e humildade. meu filho espelharia as minhas próprias faltas, e, afinal, pra que perpetuá-las?

até que comecei a me sentir responsável, mesmo não sendo mãe. até que comecei a lembrar dos remédios, de respirar fundo, de contar até dez, mesmo não sendo mãe. comecei a tomar decisões certas e erradas, a conversar sobre elas, a questioná-las, mesmo não sendo mãe. comecei a abrir mão de programas noturnos, pra não deixar as crianças sozinhas. comecei a abrir mão de horas de estudo, pra não parecer às crianças que não estou envolvida nas atividades deles. comecei a ter dúvidas, passei a querer ensinar, passei a ter raiva, a me frustrar. mesmo não sendo mãe. foi aí que entendi o que minha mamãe dizia: da doação não se espera retorno, você faz porque acha que é o certo a fazer.

e, mesmo em pânico, comecei a achar que não seria uma mãe tão ruim assim. simplesmente entendi que todas as mães, e até as não-mães, erram pra cacete, mas sempre querem acertar.