Na casa da minha mãe, comida sempre foi assunto de longas conversas na mesa, hábito que carinhosamente apelidamos de “aulinha”: mamãe, com seu doutorado em nutrição, fazia questão de “explicar” o que comíamos, porque isso ou aquilo era importante e porque cozinhar dessa ou daquela forma fazia diferença. Pensem num almoço nerd, onde se se discutia química de alimentos. O resultado é que todos nós (os 3 filhos) sabemos (ao menos em teoria) muita coisa sobre comida. Foram décadas de doutrina para que as filhas mulheres se preocupassem em comer folhas escuras com frequência, por conta do ácido fólico, e castanhas do pará, por conta do selênio, e que os três tomassem pelo menos três copos de leite por dia (isso mesmo, de manhã, depois do almoço – tipo sobremesa, sabe? – e antes e dormir).
Que os filhos tivessem bons hábitos alimentares sempre foi, pra mamãe, algo muito importante. E não era só o clichê da “fritura faz mal”, porque a gente sempre pode comer fritura, doce ou refrigerante; nunca houve nada proibido lá em casa. O que mamãe fazia era informar a gente dos pros e contras do que comíamos (o que nos deu uma espécie de “responsabilidade alimentar”), e ela estava sempre atenta: sabia quando meu irmão tinha comido o pacote todo de biscoito. Essa estratégia deu certo com minha irmã, que, agora adulta e médica-em-treinamento, tem uma dieta absolutamente balanceada e frugal (veja-se seu peso-pena de 50 míseros quilinhos), mas não sei até que ponto mamãe prefere não saber o que meu irmão come, lá nas perdições do Rio.
Comigo as aulinhas deixaram um legado diferente. Eu gosto de COMIDA, assim, em caps lock; uma saladinha não se qualifica como almoço pra mim. E também gosto de jantar de verdade, principalmente de massas. Gosto de junk food nos momentos de excesso. Só não sou maníaca por doces. Acho que não entro no conceito A da doutrina alimentar de mamãe, mas certamente me preocupo com o que ponho do prato. Parece que, pra mim, as aulinhas serviram para criar um pano de fundo de conhecimento teórico para que eu fique no equilíbrio, compensando meu amor por macarronadas com meu respeito por peixe grelhado com arroz integral.
É que meu paladar, depois de adulta, refinou-se. Eu passei a participar do processo de cozinhar (e que delícia é passar de alguém que só sabe fazer macarrão com atum pra alguém que é capaz de fazer um almoço com praticamente qualquer coisa), passei a frequentar restaurantes diferentes, a experimentar temperos. Passei a pensar e planejar comida. E essa libertação da cozinha saudável de mamãe também foi importante.
Mas percebo que elas estão sempre lá, mamãe e as aulinhas. Mesmo na Mc Donalds, eu sei como e com o que eu devo compensar depois. Se eu faço uma farra, sei me recuperar. Eu, inconscientemente, uso a cozinha de mamãe na minha vida.
Só que, quando escolho o que meus enteados vão almoçar, quando faço truques para que eles provem frutas e verduras, quando regulo a quantidade de fritura que eles podem comer no fim de semana, ou estabeleço a regra dos sucos durante a semana, eu não sou eu e minhas compensações gulosas, eu sou mamãe em pessoa. É ela que está atenta para a proporção carboidrato/proteína, que dá sobremesas reguladas depois de um bom almoço, que ensaia aulinhas simplificadas para eles na mesa (“é melhor tomar suco de polpa do que em caixinha, porque na polpa ainda fica um pouquinho das vitaminas”)… até arroz de sete grãos eles comem, e chamam de “arroz da mamãe de nine”!
Percebi que minha mãe (como todas as mães) se reproduz em mim, para meus enteados, e – olha que coisa! – no que existe de mais maternal na natureza: no nutrir.