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o inferno e os outros

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Tens certas dores que não são sentíveis, só são vivíveis. A dor da perda de um ente amado, a agonia de um filho doente, certos e determinados fracassos. Não dá para se colocar no lugar do outro; o outro está lá, sozinho e abandonado. Talvez porque todo sofrimento nos lembre o quanto somos, de fato, solitários em nossa própria existência. O nascimento e a morte são solitários, ainda que rodeados de pessoas. Certas dores também, e deixam a gente assim, com um buraco gigante no peito que não pode ser partilhado com mais ninguém. 

Isso já dizia o querido Tólstoi, à sua maneira, ao abrir Anna Karenina dizendo que “Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira”.

 O que é, meu Deus, que torna o nosso sofrimento tão universal, e ao mesmo tempo tão particular? Todo mundo tem amigos que penaram com uma dor de cotovelo; mas a sua dor de cotovelo, aquela que molha o seu travesseiro, é só e intransferivelmente sua, e horas de conversa ou de análise não mudam o fato de que é impossível aos outros saber exatamente como você se sente.

Quem sofre tem que sofrer sozinho. Mas e quando se sofre com os outros apontando o dedo? Tenho observado momentos de malvadezas individuais e coletivas bizarras. A culpa é de fulano por estar com câncer (e se fizeram isso com alguém tão popular quanto Lula, imaginem), afinal ele bebia demais, acho bem feito que cicrana tenha perdido o bebê, porque ela sempre foi muito vulgar, Deus me perdoe dizer isso, mas aquele cara merece ter ficado viúvo, porque nunca valorizou a mulher que tinha (como o opcional, temos o indefectível “tomara que sofra horrores”). Presenciei, eu mesminha, uma cena em que uma pessoa fazia piadas com uma mulher que supostamente tinha recorrido a métodos de reprodução assistida para realizar o sonho de ser mãe: segundo o piadista, seria necessária a implantação de dezenas de embriões para que algum conseguisse sobreviver. 

O que nos faz ser tão insensível aos sentimentos dos outros? O fato de que não podemos sentir o que o outro sente é suficiente para nos afastar tanto assim de sua humanidade? Ou o caso é que a dor alheia nos fornece uma oportunidade única de destilação de nossos próprios medos e frustrações, travestidos de uma prepotência insultante? Quanto mais eu humilho o outro onde ele é mais vulnerável, mais eu afasto de mim minhas próprias fraquezas.

Não sei. Quanto mais eu vivo, mais tenho vergonha da raça humana.  Se não somos capazes de dividir com o outro a verdadeira tristeza, somos os únicos com talento para sentir satisfação nas adversidades vizinhas. A empatia, esse sentimento tão sublime, é muito melhor desenvolvida nos cachorros.

recesso

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Pode-se argumentar que eu sequer estive, de verdade, longe de casa. Passar a semana fora, trabalhando como ando trabalhando, dificilmente se qualifica como “estar longe”. Mas agora que passo uns poucos dias seguidos aqui na capital (poucos demais) vejo o quanto realmente estive e estou distante. Recife é barulhenta, tumultuada, atarefada. E eu estou silenciosa, pensativa, cautelosa. Estamos nos estranhando um pouco. Mas talvez essas diferenças sejam só superficiais: o que eu queria mesmo era me sentir em casa. Não, não consigo dizer exatamente o que é, isso é bem frustrante. O que eu queria mesmo era me sentir, como dizem, home free.

o pão com o suor do teu rosto

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eu me formei há pouco mais de 8 anos. pensando bem, é tempo demais. não porque 8 anos seja muito,mas porque 8 anos, no curso dos seus 20’s, é praticamente sua vida inteira.

a faculdade não foi tão legal. a maioria das pessoas tem essa nostalgia dos tempos irresponsáveis de faculdade, em que os dias oscilavam entre o ócio, as farras homéricas e as descobertas. pra mim não foi muito diferente, mas havia uma mancha por sobre todo esse processo, um desconforto com aquilo tudo: os livros, os professores, o chatérrimo oquevocêvaifazerdavidaquandotiverodiploma. houve uma época em que ir pra faculdade era um castigo. sair da faculdade foi ainda mais complicado.

pra alguns esse salto é bem mais simples, é pragmático, é natural. pra mim é um problemão, impossível de explicar pra quem conseguiu se descolar em paz.

meu caminho algumas vezes encurtou, na maioria se estendeu para além da conta. nada era bom, nada era eu, eu era sempre o automático das contingências do momento. lembro que meu pai me perguntou qual a área pela qual eu mais me interessava no direito; eu disse uma lá não por nada, eu nem sabia bem do que setratava, mas era o que um amigo estava estudando, então me pareceu mais adequado do que dizer simplesmente “nada, papai, é tudo uma grande encenação pra alguém levar a melhor em cima dos outros”.

fiz tanta coisa até chegar aqui, e olhe que falo estritamente sobre trabalho: dei aula, fui estagiária, advogada, passei pelo profundo processo de desprezo pelo modo de vida que os “de sucesso” invariavelmente adotam. o carrão, o apartamento MD, a insuportável atitude “meu dinheiro compra”. meio que por acidente, acabei virando funcionária pública, e, curiosamente (até hoje essa reflexão me surpreende), acho que foi só aí que comecei a entender meu trabalho de verdade, e a pensar com alguma seriedade no que eu REALMENTE iafazerdavidacomdiploma. acabei sendo encontrada no recanto mais improvável. mas demorou.

ontem finalmente me dei conta de que nos próximos vinte ou trinta dias tudo vai mudar. meu novo emprego não é só mais um novo emprego. é o fim desse caminho – ainda que seja apenas o caminho inicial. e esse fim/início exige de mim algumas das coisas que mais amo. exige minha liberdade, minha rotininha, minhas despreocupações, exige, principalmente, que eu fique longe do que me é mais caro no mundo: minha família. parece que vou ter que, enfim, me soltar. let go. deixar que meu instinto daquilo que é certo me guie.

é mesmo preciso ter cuidado com o que se deseja. geralmente, não no tempo em que a gente quer, mas no tempo próprio que as coisas têm pra acontecer, esses desejos acontecem. e por baixo de tudo, de meus desejos e sonhos e desafios, de meus medos, lembro do dilema que conheci lá no comecinho dessa jornada, no próprio seio daquilo cujo pavor absoluto me trouxe até aqui: “de que vale ao homem ganhar o mundo e perder a sua alma”?

eu quero começar brigando pelo mundo, porque minha alma, depois de quase um década, parece que encontrou um lugar pra trabalhar. começa meio longe daqui.

the deepest secret nobody knows

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i carry your heart with me (i carry it in
my heart) i am never without it (anywhere
i go you go,my dear; and whatever is done
by only me is your doing,my darling)
i fear
no fate (for you are my fate,my sweet) i want
no world (for beautiful you are my world, my true)
and it’s you are whatever a moon has always meant
and whatever a sun will always sing is you

here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the bud
and the sky of the sky of a tree called life; which grows
higher than the soul can hope or mind can hide)
and this is the wonder that’s keeping the stars apart

i carry your heart (i carry it in my heart)

e.e. cummings

no ano novo eu prometo…

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Meus amigos têm realizações: financeiras, de carreira, de viagens. São nomeados, entrevistados, passaportes carimbados. Eu tenho a vida mais suburbana, enfadonha e tranquila do mundo. Sou funcionária pública no sentido drummoniano. Às cinco da tarde gosto de estar colocando água nas plantas. Gosto de ficar planejando cantinhos da minha casa nova. Gosto de ir ao supermercado, de olhar a tarefa da minha enteada, de ouvir meu enteado falar palavras novas. Gosto de ficar na rede com meu marido. E, apesar de toda a felicidade que essas coisas me trazem, eu me sinto uma grande sub: sub-profissional, sub-correntista bancária, sub-desbravadora, sub-conhecedora, sub-gostosa, sub-amiga, sub-curtidora da vida, sub-sub.